terça-feira, 6 de agosto de 2013

I still remember when I was not alive

Parece que foi ontem.

Sequência inicial de "8 1/2", de Fellini. Pairo no ar e contemplo a vida em baixo: respiram, vibram, sofrem, choram, amam. Não tenho a sorte de Guido, não há ninguém que puxe uma corda e me faça reentrar.

Desloco-me à velocidade do pensamento, à velocidade do esquecimento a que sou votado. Alvíssaras, alvíssaras! Um metro por cada um que dele se esqueça! Em baixo, os vermes continuam a falar comigo sem perceber que já não estou, sem perceber que não existo. Eis a forma mais cruel de invisibilidade, que mói e destrói, quando nem se apercebem da nossa ausência. E continua a doer, maldição. Nem isso consegui, deixar de sentir.

Em baixo, o que resta deambula. Não percebe o que lhe dizem. O movimento desordenado dos lábios de outrem confunde-o, ele clama pela simplicidade. Andar até ao fim da rua é um desafio, tudo é estranho quando somos desprovidos de alma.

Enquanto isto, eu pairo. É noite escura, os vermes dedicam-se à troca de fluidos, numa sessão de canibalismo onde as almas se tocam, o mundo se encolhe, e temos um raro vislumbre do lado lunar. Ninguém se lembra de me esquecer nessa altura, por isso pairo.

O que resta busca abrigo na reclusão. Tanto temos em comum. Se Saramago tinha razão nisso das almas e das vontades, o que sou eu? Estará ele sem alma ou sem vontade?

A reclusão permite que ele esteja entre iguais. Ele e o nada.




sábado, 3 de agosto de 2013

Gently weeping

Rápido. Mais rápido. Tento acelerar, respiração ofegante, coração aos pulos. Sinto o bafo da sombra. Atrás de mim o precipício crescia, ouviam-se gritos. o desespero de mais um momento apagado. Tapo os ouvidos, baixo a cabeça e continuo. Não posso parar, não enquanto a sombra estiver no meu encalço.

Afasto-me. Não reconheço o local. O meu olhar é atraído para um casal que troca carícias junto de um fio de água. Inebriados, tratam o corpo um do outro com divino respeito. O universo está parado. Para os amantes, o centro do mundo é aqui. Não me vêem, como poderiam fazê-lo? Nem eu me vejo. Ninguém me vê.

Enquanto corro passo por muitos aceitantes. São aqueles que não receiam a sombra e o que ela traz. Como os invejo! Parecem felizes, a sombra não impede que continuem a viver. Abrem os braços e aceitam-na, unem-se-lhe em uníssono:

I look at the world and I notice it's turning


O cansaço é matreiro. Nunca bate à porta. Entra pelas frinchas como se do Sol se tratasse. É o braço-direito da sombra - o esquerdo é o destino. Resisto-lhe, pois viver com aquilo que a sombra traz é inimaginável. Insuportável. Sinto as garras a penetrarem na pele. Esgar de dor. Sou impotente. Quem dera que tudo termine, que o vazio reine, que o silêncio impere pela eternidade.

Suplico-lhe que me deixe, que abra uma exceção. Viver perturbado é desumano, e eu já aprendi:

With every mistake we must surely be learning

A sombra responde com voz de barítono: não podes fugir do passado.